Resgatar a Universidade do Wall Street intelectual

Quem hoje lançar um olhar sobre os modos de avaliação da atividade docente universitária depressa se aperceberá do sequestro de que foi alvo o trabalho intelectual.

Uma das vias pelas quais se opera o sequestro é a linguística e consiste numa gradual expropriação identitária. Sob o pretexto da internacionalização (escorado, aliás, numa certa ideia de globalização) — os financiadores impõem o inglês como língua de trabalho. E, como todos já percebermos, em nome das boas intenções do trabalho, do seu progresso, da melhorias das suas condições e da sua eficácia, vale tudo. Para suavizar o escândalo, começa por preferir-se — como se de uma questão técnica se tratasse — os «outputs» aos resultados. Querer obstinadamente resultados é uma compulsão demencial e acaba por reduzir a educação a um adestramento para a produção. E que adopta a produção industrial como paradigma, acabando por triturar tudo que seja pensamento «fora da caixa» e fomentando o ódio ao pensamento interrogativo. Mas, para os provincianos que aspiram a ser alguém, «outputs» é coisa fina e digna. Orgulhosos, não sentem qualquer vergonha em exibir no seu curriculum a lista de publicações em revistas escalonadas segundo o ranking (eis mais uma palavra que espelha o neocolonialismo linguístico dos nossos tempos) do impacto. Hoje temos publicações «cotadas em bolsa» por entidades nublosas que se apropriaram da atividade intelectual e da investigação académica enquanto negócio rentável. E quem quer progredir na carreira (carreira é um termo português, mas confesso que me arrepia) dispõe-se mesmo a pagar para ver os seus papers (inglês, de novo) publicados na revista de impacto máximo. A publicação será exibida no curriculum como um troféu e buscará uma qualquer adjetivação superlativa apropriada ao star system (ainda o inglês) que hoje domina o imaginário coletivo acerca do que é ser uma pessoa realizada. E, com sorte, a relevância do facto não escapará aos meios de comunicação social, os quais, sedentos de estrelas (que, quando se fala de conhecimento, têm necessariamente adjacente o epíteto de «especialistas»), não hesitarão em fazer disso notícia e em desmultiplicar até à rentabilização máxima a especulação comunicativa.

Que saudades tenho da «estupidez natural», dessa mesmo que não deixa que a complexidade seja o pretexto para a alienação da capacidade de nos posicionarmos e de decidirmos sem termos de consultar uma qualquer autoridade. Mas hoje, tudo nos desautoriza e tudo normaliza a impotência. Tudo torna insignificante o nosso poder deliberativo porque, de tão individualizados, nos tornarmos órfãos de comunidade, carentes do olhar do outro, cegos para a semelhança dos outros em nós.

Que saudades tenho da inutilidade. Dessa mesma da qual brotam os laços mais humildes da curiosidade e da admiração. E em que a descoberta nunca é sem o medo da imprudência. Dessa que gera o companheirismo do caminho, próprio de quem se sabe parte de um ensaio no qual o risco, o humor e a ignorância se irmanam na definição da nossa própria condição.

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